quarta-feira, 6 de maio de 2009

Vamos comer-nos uns aos outros

De Sentimentos em prateleiras


Hey Tu, sim, tu ai...
No fim de mais um dia de trabalho, após um fabuloso e farto jantar ou algo mais comedido que até estamos no verão, preparas-te para mais uma noite de sono.
Tiras a roupinha, preparas a do dia seguinte.
Lavas os dentinhos e upa "pá" cama, por hábito acendes a tv, e começas a enroscar-te a ela, um beijo no pescoço e ouves logo, -Hoje estou tão cansada... , deixas-te dormir, amanha acordas cedo.
Dormes e sem dares por isso um novo dia
E hoje acordaste mesmo cedo, ao menos não adormeceste, espera-te mais um dia de trabalho.
Vestes a roupinha que preparas-te no dia anterior, um copo de leite, lavas os dentes e sais para a rua.
Sais da porta de casa, o sol radiante que te bate em cheio na cara anuncia um dia estupendo, pões o pé na rua e algo te foge debaixo do pé.
A bosta do seu cachorrinho do cabrão do vizinho mostra-se no teu sapato reluzente, ainda mal começou o dia e já foste comido.
Vais pelo passeio a rastejar o pé em ervas altas e na borda do passeio, chegas ao carro, abres a porta e deparas-te com todo o sistema nervoso do teu carro a espreitar do local onde antes estava um auto-rádio Sony com LCD 9", GPS e alta voz. Foda-se, aquele radio tinha-te custado os olhos da cara e ainda estás a pagar com o...bom,adiante. Já foste foi comido de novo, e desta ainda nem o dia tinha começado.
Arrancas como quem tem pela frente o Lisboa-Dakar que com isto tudo já estás atrasado, para ao chegares á entrada da cidade, a uns míseros 4Km do limite dela ficares 2 horas parado numa fila para saires da auto-estrada. 2 horas!!! 2 horas esperaste tu na fila para quando chegas já ao traço contínuo um gajo vir a acelerar da faixa da esquerda e comer-te ao encaixar o carro no espacinho que tinhas deixado entre ti e o da frente, porque é que não arrancaste mais cedo? Porque não ias encostado? Este gajo á tua conta acabou de poupar 2 horas de transito e 5€ de gasolina. E ainda por cima se calhar ainda ninguém o comeu hoje.
Vais no resto do caminho que falta com o pensamento repartido entre o fdp oportuno na fila de transito e o teu colega que estaciona sempre o carro no teu lugar quando chega mais cedo.
Entras no portão da empresa e lá está, este gajo hoje comeu-te de novo.
Passas um dia infernal a ser comido pelo teu chefe, pelo chefe do teu chefe, pelo director, pelo patrão. Sais do trabalho mais cedo porque a dor de cabeça não te deixa pensar, deixas estas horas para compensar noutro dia se entretanto o tipo dos recursos humanos não te comer.
Chegas á porta de casa, aguarda-te uma cerveja fresquinha e quem sabe, talvez até acendas um charuto para relaxar.
Metes a chave na porta, rodas e entras em casa.
Dás com um cabrão no hall de entrada com o teu robe, com a tua cerveja na mão e o teu charuto na boca acabadinho de comer a tua mulher.
Sais porta fora e mandas-os todos foder...
Enquanto vagueias pela rua pensas em todos os tipos que hoje te comeram, todos os palhaços que sem respeito pelo próximo actuam imponentemente tornando a tua vida numa miséria.
O telemóvel toca, é aquela cabra que quer explicar, mandas o telemóvel com o caral.. hoje não te faz falta
Tanta injustiça no mundo e tinha logo que te calhar toda a ti, de certeza que á gajos piores que tu, e de certeza que têm vidas quase perfeitas.
Nesta vida todos te comem, o governo que não baixa o preço da gasolina, a prestação da casa que te vai adiando as férias ao médio oriente, e só te lembras da cara daquele cabrão de charuto no canto da boca a olhar para ti e olhos esbugalhados. O teu Montecristo de 6€ na boca suja daquele cabrão.
A noite tornou-se fria. Porque que não há mais respeito no mundo pelos outros? Todos se aproveitam das fraquezas do próximo. O frio passou a gelo. Nunca mais chegas á pensão. Mal consegues andar com o vento a entrar-te pelos botões da camisa, deixaste o casaco pendurado no hall. No hall onde estava aquele cabrão e que provavelmente já está com ele vestido enquanto profana o teu Montecristo de 6€ a travar o fumo do charuto. Aquele cabrão que te ficou com a mulher, a cerveja, o charuto e o casaco. Aquele cabrão que não respeita ninguém, como ninguém neste mundo respeita ninguém. Mundo cão onde quem sobrevive é o esperto que come o outro. E a pensão ainda tão longe. Pensas que por vezes mais valia o teu pai não ter comido a tua mãe.
Se ao menos todos fossem como tu, integro e mão aberta.
E a mão aberta que se estende á tua frente, a mão suja de um velho a quem o casaco é um jornal amarrotado, que ainda por cima nem deve saber ler para o aproveitar. E pensas no teu casaco nos ombros daquele cabrão enquanto come a tua mulher e a falta que te faz agora. O casaco, não a gaja.
A mão aberta que se estende a ti, misericordioso ser que sabe o que é sofrer neste mundo, a mão que só pede uns cêntimos para o jantar.
Metes a mão no bolso enquanto dizes, - Vai-te foder e vai mas é trabalhar, ou pensas que ando a sustentar chulos nesta vida.
Dás um pontapé no gato que se cruza no teu caminho e atravessas a rua para entrar na pensão, a pensão num cantinho deste mundo cão.


PS: E isto tudo porque eu precisava de uma legenda para a foto.

1 comentários:

Inês disse...
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